quinta-feira, 24 de maio de 2007

ALMA FERIDA
Roteiro para Média-metragem
de Rodrigo Monteiro

CENA 1 – INT/MANHÃ – MANSÃO DOS BERGAMIN DE MAGALHÃES – ESCRITÓRIO
CARLOS ALEXANDRE, 45 anos, cabelos muitos bem penteados, fala nervoso ao telefone, enquanto observa, pela janela do escritório, o carteiro chegar com contas. Ele está em pé e bastante nervoso.
CARLOS ALEXANDRE (ao telefone)
Não tem mesmo jeito de me liberar mais esse empréstimo? (...) Olha, Seu Meneses, eu sou cliente desse banco há 30 anos! Será que eu não mereço esse voto de confiança? (...) Eu sei que esses últimos anos têm sido difíceis! Mas, veja a minha situação. Em dez anos, eu vendi 8 filiais! Todo o meu patrimônio está reduzido na matriz aqui de cidade. (...)

A empregada LUIZA entra com as contas que o carteiro havia deixado. Vemos avisos de cobrança de internet, cartões de créditos, luz, água, impostos. Correspondências do SPC e do Serasa.

CARLOS ALEXANDRE (ao telefone)
Entendo, seu Meneses. Obrigado mesmo assim. Bom dia pro senhor também.

Ao desligar o telefone, vemos uma expressão de grande derrota. Sobre a mesa, fotos de sua família e um quadro único de sua mulher, ANA IZABEL, com crianças em frente ao ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO.

CENA 2 – INT/MANHÃ – MANSÃO DOS BERGAMIN DE MAGALHÃES – SALA DE JANTAR
CARLOS ALEXANDRE entra na sala de jantar, onde à mesa, está reunida, para o café da manhã, sua família. ANA IZABEL, 40 anos, muito bem vestida e maquiada, ALFREDO LUIZ, 20 anos, um playboy; e HELENA ELIZABETH, 16 anos, com uniforme de normalista. A mãe e a filha estão muito apreensivas. ALFREDO LUIZ toma seu café da manhã despreocupadamente, exibindo um certo sorriso de contentamento nos lábios. CARLOS ALEXANDRE senta à mesa e coloca as mãos sobre a cabeça. ANA IZABEL o abraça. Os dois se olham.

CARLOS ALEXANDRE
Querida, vamos ter mesmo que fechar o Orfanato!

CARLOS ALEXANDRE abaixa a cabeça muito triste. ANA IZABEL o abraça. HELENA ELIZABETH se levanta e abraça os PAIS.

SOBEM OS CRÉDITOS INICIAIS.

CARLOS ALEXANDRE
Não me liberaram mais esse empréstimo. Vamos ter que cortar gastos.

ANA IZABEL
Deus sabe o que faz! O importante é que estamos juntos.

HELENA ELIZABETH olha para ALFREDO LUIZ que come como se nada estivesse acontecendo.

ALFREDO LUIZ (OFF – pensamento)
Agora sim, vou poder abrir uma Lan House naquela casa velha e ganhar muito dinheiro com aquela cambada de maloqueiros sem casa!

CORTA PARA:

CENA 3 – INT/MANHÃ – LOJA “BM BICICLETAS”
Loja ampla, cheia de anúncios de promoções, mas sem clientes. PEDRO, 35 anos, negro, muito sorridente; ZÉ, 60 anos, bem magro, ágil; BARTÔ, 21 anos, skatista, tatuado, muito bonito, são os funcionários da loja. Todos estão envolvidos com o nascimento de quatro gatinhos de uma gata preta e branca. O parto aconteceu na última madrugada e eles não sabem o que fazer com a gata. Bartô está acariciando a gata.

PEDRO
Bartô, num fica passando a mão na bechana. Você há deixar ela sustada.


Eu já tratei de bicho muitas veiz. Ela fica pensando que você vai roubá uma das criança dela.

PEDRO
Ele não pára... Zé, o Bartô nunca ouve nóis!

BARTÔ
A gata é minha! Eu cuido dela como eu quiser.


Desde que quando essa gata é sua? Num é mesmo!

PEDRO
Ah se não é! Mas ora essa...

BARTÔ
Fui eu que vi ela chegar ontem de noite. Vocês não viram.
PEDRO
Você viu ela porque é você quem fecha a loja de noite depois que a gente sai.

BARTÔ
Se quiser, Pedro, eu até dou um dos filhotinhos pra você. Mas o branco é meu!

CARLOS ALEXANDRE chega na loja muito triste e passa pelos FUNCIONÁRIOS, fazendo apenas um aceno com a cabeça. Eles acompanham apreensivos. Num aparte da loja, há uma ante-sala envidraçada, onde trabalha DONA LORETA, 50 anos, secretária da loja. CARLOS ALEXANDRE e DONA LORETA conversam.

PEDRO
Chega inté a me dá um calafrio!


Orra! Essa brabeza tá acabando com patrão.

PEDROE num é Zé?

BARTÔ
E a gente não vende nada!

PEDRO
Não entra ninguém na loja!


Só a gata, mas ela não há de comprá nenhuma bicicleta. (PARA A GATA) Não é, maiada?

BARTÔ
Alguém vai ser demitido. Talvez todos nós.

PEDRO
Deus me livre guarde que eu não tenho pra onde ir se for demitido.


Pedro, você pode falar com o patrão.

PEDRO
Num vô não! Vai você que é quase da família!

BARTÔ
Se alguém for demitido aqui esse alguém sou eu.


Isso é que não. Se alguém entra nessa loja é culpa sua que é o mais moço de nóis.
PEDRO
Inté a gata entrou por causa de você. Vai eu. Eu é que sei.


É. Vai você.

PEDRO (chorando)
E onde é que vou trabalhar, meu Deus do céu...


Deixa de ser burro, Pedro! Tou dizendo que você é quem vai lá falar com o patrão em nosso nome.

PEDRO
Eu? Você acha mesmo, Zé? E você, Bartô?

BARTÔ
Voto dado. Eleito por unanimidade.

PEDRO
Bem. Se é pela humaninidade eu hei de ir.

PEDRO vai até a sala de Dona Loreta.

CARLOS ALEXANDRE (para DONA LORETA)
É triste, mas o que é que vou fazer? Alguém vai ter que ir.

PEDRO
Embora? O patrão ta dizendo que um da gente vai ter que ir simbora?

CARLOS ALEXANDRE
É, Pedro. Eu não posso mais exigir tanto de vocês. Dona Loreta já está com o salário atrasado há meses. Vocês também... Eu preciso deixar que procurem emprego em outro lugar, onde...

PEDRO
Nenhum de nóis quer ir simbora, não, patrão.

CARLOS ALEXANDRE
Nem eu quero que vão. Mas não é justo.

PEDRO
Num é justo a gente ir embora se a gente qué ficá.

CARLOS ALEXANDRE
Pedro, meu amigo, não torne as coisas mais difíceis. Um de vocês, eu ainda não sei quem, vai ter que ir embora.
PEDRO
O senhor não iscoieu ainda?

CARLOS ALEXANDRE
Não.

CARLOS ALEXANDRE entra em seu gabinete, continuação da sala de Dona Loreta, e fecha a porta. PEDRO e DONA LORETA se olham.

DONA LORETA
Pode ser eu. Ele não precisa de secretária. Eu passo meus dias aqui sem fazer nada.

PEDRO
Que nem nóis, então.

DONA LORETA
Eu também não queria ir. É triste quando se chega nessa situação. Em pensar que ele já foi o rei dessa região no ramo de bicicletas.

PEDRO
E eu não sei?

DONA LORETA e PEDRO vêem, pela parede de vidro que separa a ante-sala do resto da loja, ALFREDO LUIZ chegar e falar com BARTÔ e ZÉ.

PEDRO
Lá vem o capeta.

DONA LORETA
Ele não vai perdoar a história da gata.

PEDRO
Axxe homem ruim!

ALFREDO LUIZ abre a porta de vidro e olha para a loja, onde BARTÔ e ZÉ estão, e para a ante-sala, onde DONA LORETA e PEDRO estão.

ALFREDO LUIZ
Eu quero ver essa gata morta hoje mesmo! E não se fala mais nisso. Vocês não são pagos pra cuidar de gata nenhuma e nem ficar de conversinhas. Se não tem trabalho, então, também não tem emprego. Procurem o que fazer!

PEDRO
Vosso pai já disse que um da gente vai ir embora, patrãozinho.
ALFREDO LUIZ começa a rir, como se uma grande e feliz notícia fora-lhe dada e entra na sala do pai. Na porta do gabinete, vemos a inscrição “Carlos Alexandre Bergamin de Magalhães”.


A gente vai ter que achar um lugar pra esconder a bichinha e os filhinho dela.

CENA 4 – INT/MANHÃ – GABINETE DE CARLOS ALEXANDRE
CARLOS ALEXANDRE está sentado em sua escrivaninha analisando notas fiscais e fazendo contas. ALFREDO LUIZ entra rindo.

CARLOS ALEXANDRE
Que alegria é essa?

ALFREDO LUIZ
Recebi uma ótima notícia hoje. Aliás, duas! E, talvez, receba ainda mais algumas!

CARLOS ALEXANDRE
Tomara que sim, meu filho. Pelo menos as coisas estão dando certo para alguém na nossa família.

CARLOS ALEXANDRE olha para as contas que se acumulam sobre a mesa.

CARLOS ALEXANDRE
Meu filho, vamos procurar vir juntos para o trabalho. Assim, economizamos combustível, pode ser?

ALFREDO LUIZ
Pai, hoje de manhã o senhor disse que o orfanato da mamãe ia ser fechado. O que o senhor pensa fazer com a casa?

CARLOS ALEXANDRE
Você sabe, Alfredo, o quanto aquele orfanato é importante pra sua mãe. Acho que seria melhor ela...

ALFREDO LUIZ
Eu tinha uma idéia de... Pai, por que não abrimos uma Lan House?

CARLOS ALEXANDRE
Lan House? Essas casas com computadores para as pessoas acessarem a internet e jogarem jogos no computador?

ALFREDO LUIZ
É o que está dando mais dinheiro no momento, papai. Eu tenho colegas na faculdade que abriram e estão indo muito bem. O senhor acredita que tem meninos que economizam até na merenda da escola para jogarem? E passam a madrugada inteira lá? Eles chamam de Corujão. Fazem uma sessão fechada, só para inscritos, e ficam a noite toda lá dentro, trancados, jogando e gastando dinheiro. É um grande...

CARLOS ALEXANDRE
Gastando o dinheiro que eles não têm. Alfredo Luiz, isso é exploração!

ALFREDO LUIZ
Isso é dinheiro entrando. Que, a meu ver, é melhor do que dinheiro saindo, como acontece lá naquele orfanato.

CARLOS ALEXANDRE
Não diga impropérios! Você sabe muito bem que o dinheiro que a sua mãe gasta lá vem de benefícios governamentais. Não é dinheiro nosso. E, além disso, eu jamais iria me envolver em qualquer negócio que envolva computadores. Foi por causa deles, e daqueles que os espalharam aqui na região, que a Bergamin de Magalhães Bicicletas faliu.

ALFREDO LUIZ
Nós ainda não falimos.

CARLOS ALEXANDRE
Ainda não? Ainda não falimos? Por quê? Porque ainda moramos no Bairro Flamboyant? Porque sua irmã ainda estuda no Nossa Senhora do Carmo? Porque temos carros? Meu filho, olhe para essas contas. Nem se vendêssemos tudo, pagaríamos todas as nossas dívidas. Em pensar, que eu já tive doze filiais “BM Bicicletas” funcionando a todo vapor... Você era pequeno ainda, mas...

ALFREDO LUIZ
Pai, os tempos mudaram. A informática veio para ficar. Se o senhor continuar com esse problema com computadores, nós só vamos para o buraco cada vez mais. Eu estou me formando em Administração no fim desse ano. Eu sei! Pai, o senhor tem sido o chefe por aqui há anos, mas precisa entender que está na hora de modernizar. Olhe para esse escritório. É o mesmo desde quando eu nasci. Esse fichário de aço não se usa mais nem em museu! E o que são nossos funcionários?

CARLOS ALEXANDRE
Algum deles terá que ser demitido. Mas quem? Ah, meu Deus!!

ALFREDO LUIZ
Só temos quatro. Não vai ser difícil de escolher.

CARLOS ALEXANDRE
Eu não consigo pensar em nenhum. Todos eles estão há tanto tempo conosco... O Pedro foi o primeiro funcionário que eu tive quando a loja não passava de uma garagem ampliada. Vinte e cinco anos atrás. Meu Deus!

CENA 5 – INT/MANHÃ – FLASHBACK – INTERIOR DA LOJA “BM BICICLETAS”
CARLOS ALEXANDRE, 25 anos antes, está em sua loja “BM Bicicletas”. A loja é pequena e tem algumas bicicletas. Há quatro famílias olhando tudo e CARLOS ALEXANDRE está perdido com tantos clientes.

MÃE 1:
Mas esse freio não é daqueles que a gente tem que trocar de quando em quando, não é?

CARLOS ALEXANDRE
Não, minha senhora. Esse é direto no pedal. É melhor do que o outro porque...

PAI 2:
Como funciona esse dispositivo que faz a bicicleta ser dobrada? Pra quê alguém iria querer que sua bicicleta fosse dobrada?

CARLOS ALEXANDRE
Veja bem, meu senhor, hoje muitas famílias estão morando em apartamentos ou em casas pequenas. Se o senhor girar aquela...

FILHO 3
Não tem uma com um celim mais arredondado? Porque...

MÃE 1
Seu Carlos Alexandre, qual é mesmo a diferença entre o freio na mão e o freio no pé?

CARLOS ALEXANDRE
Na mão, o freio acontece da seguinte forma... (PARA FILHO 3) Aquela verde ali tem o celim mais arredondado, meu jovem.

PEDRO, 25 anos mais novo, que já estava observando as bicicletas, chega mais perto de CARLOS ALEXANDRE.

PEDRO (para MÃE 1)
O freio “torpedo”, que é como se chama o freio no pé, é muito mais seguro, minha senhora. Ele para a pneu à força, enquanto o outro freio tradicional é uma plaquinha de borracha que aperta a roda, fazendo ela parar.

MÃE 1
Ótimo! Vou levar essa, então, Sr. Carlos Alexandre.

CARLOS ALEXANDRE
Seu filho ficará muito feliz.

PEDRO pega a bicicleta que MÃE 1 escolhera, tirando ela de junto das outras. CARLOS ALEXANDRE acerta o pagamento da bicicleta, olhando de soslaio para PEDRO que, corresponde ao olhar, ajudando outros clientes espalhados pela loja. FIM DO FLASHBACK.

CENA 4 – INT/MANHÃ – GABINETE DE CARLOS ALEXANDRE - CONTINUAÇÃO

CARLOS ALEXANDRE
Pedro me ajudou muito nos primeiros anos e não parou de me ajudar depois, ensinando o serviço para outros funcionários. Sem ele, as coisas teriam sido muito difíceis.

ALFREDO LUIZ
Sem esquecer que ele já está quase se aposentando e quem vai ter que pagar tudo é o senhor! Se tornou um funcionário caríssimo que, nos últimos cinco anos, deu um prejuízo maior do que o lucro das outras duas décadas.

CARLOS ALEXANDRE penteia o cabelo, em sinal de preocupação.

CARLOS ALEXANDRE
Você sugere, então, o Zé? Meu filho, você sabe o quanto esse homem serviu a nossa família durante todos esses anos. Não foi só aqui na loja, não. De alguma forma, ele faz parte da nossa família.

CENA 6 – INT/MANHÃ – FLASHBACK – SALA DE ESTAR DA MANSÃO BERGAMIN DE MAGALHÃES

16 anos antes, ZÉ está na porta tocando a campainha. Ele segura uma prancheta com documentos e uma caixa. Um menino de 5 anos, ALFREDO LUIZ, atende a porta.

ALFREDO LUIZ
Seu Zé! Seu Zé! A maninha vai nascer! Vai nascer!! Mamãe tá mal. O senhor precisa ajudar. Vem, Seu Zé!!

ZÉ entra na casa e se encontra com ANA IZABEL, grávida, iniciando processo de parto.

ANA IZABEL
Foi Deus e Nossa Senhora do Amor Divino que mandaram o senhor aqui, seu Zé! Leve-me para o hospital. O nosso motorista foi fazer compras com a empregada e não sei o que aconteceu que estão demorando para chegar. E minha filhinha está para nascer!


Bora, pro ispital, dona Ana. Valha me Deus acontecer alguma coisa com a senhora. Alfredinho carrega pro tio Zé as coisa da tua mãe.

ZÉ ajuda ANA IZABEL a caminhar pela sala em direção à rua. Alfredo leva uma sacola de roupas. FIM DO FLASHBACK.

CENA 4 – INT/MANHÃ – GABINETE DE CARLOS ALEXANDRE - CONTINUAÇÃO

ALFREDO LUIZ
Se o Zé é da nossa família deve entender que nós não temos mais dinheiro para sustentá-lo como fazemos há quase vinte anos. A gente pode demiti-lo oficialmente e continuar ajudando ele do jeito que a gente pode.

CARLOS ALEXANDRE
Nossa outra opção é o Bartô, que é o melhor vendedor que nós temos na loja.

CENA 7 – EXT/MANHÃ – FRENTE DA LOJA BM BICICLETAS
Bartô anda de skate, fazendo manobras difíceis. Um grupo de jovens pára para observá-lo. A meninas vibram e os rapazes ficam com inveja.

BARTÔ
E ae, gurus! Voltando da escola?

RAPAZ 1:
Muito loco o que você faz com esse skate, maluco!

MENINA 1:
Demais!

BARTÔ
Vocês precisam ver o que é que dá pra fazer com a nova bike que chegou!

RAPAZ 2
Nova bike?

MENINA 2
Mostra pra gente?

Um CARTEIRO deixa umas correspondências com BARTÔ.

BARTÔ
É pra já. Vocês curtem andar de bikes ou são da galera de ratinhos de computador?

MENINA 1
Eu sou muito mais andar de bicicleta.

BARTÔ
Então, você é das minha!

CENA 8 – INT/MANHÃ – INTERIOR DA LOJA BM BICICLETAS
BARTÔ e o GRUPO DE JOVENS entram na loja. BARTÔ faz sinal para DONA LORETA sobre as correspondências. BARTÔ começa a mostrar uma nova bicicleta que chegou.

BARTÔ
Tah aí. (para MENINA 1) Sobe nela e experimenta a sensação de andar numa bicicleta perfeita. A mais perfeita que já existiu.

MENINA 1 sobe na bicicleta e todos ficam com inveja dela. ZÉ e PEDRO, às voltas com a gata, param para ver BARTÔ vender a bicicleta. DONA LORETA chega e pega as correspondências.

CENA 4 – INT/MANHÃ – GABINETE DE CARLOS ALEXANDRE - CONTINUAÇÃO

ALFREDO LUIZ
Não é porque ele é meu amigo, não, porque eu, na verdade, nem tenho assunto para conversar com o Bartô, que nem ler direito sabe, mas também acho que ele é o melhor, se não o único, vendedor que a gente tem. Agora, papai...

DONA LORETA bate na porta e entra com a correspondência trazida pelo carteiro. Ela sai e CARLOS ALEXANDRE e ALFREDO LUIZ se olham.

ALFREDO LUIZ
... O Bartõ não é a nossa última opção. Mais alguém poderia ser demitido. Ou melhor, demitida.

CORTA PARA:

CENA 9 – INT/MANHÃ – SALA DE AULA DO COLÉGIO NORMAL NOSSA SENHORA DO CARMO
ALUNAS do Curso Normal prestam a atenção na PROFESSORA IRMÃ LÚCIA. Entre as alunas, HELENA ELIZABETH BERGAMIN DE MAGALHÃES.

IRMÃ LÚCIA
Então, futuras professoras, como alunas do Colégio Normal Nossa Senhora do Carmo, vocês têm que dar o exemplo nas escolas em que forem lecionar. O planejamento de uma normalista deve ser perfeito. Limpo, caprichado e, principalmente, completo. Vejamos, por exemplo, o plano de Ensino Religioso, que, como vocês sabem, não é igual ao planejamento dos outros componentes curriculares.

Ouvem-se batidas na porta.

IRMÃ LÚCIA (não aprovando a interrupção)
Sim?

Entra ANDRÉIA, funcionária da tesouraria, com os docs de pagamento.

ANDRÉIA
Com licença, Ir. Lúcia?

IRMÃ LÚCIA
Seja rápida, Andréia.

ANDRÉIA começa a distribuir os docs de pagamento nas mesas. Ao chegar na mesa de HELENA ELIZABETH, vemos um sorriso nos seus lábios. HELENA ELIZABETH pega, com as mãos tremendo, o doc de pagamento. ANDRÉIA empina o nariz e continua entregando os docs para as outras alunas. HELENA ELIZABETH abre e vemos um aviso de atraso em três meses na mensalidade escolar. Ela coloca a mão sobre o ventre e seus olhos reviram. Vemos que se sente enjoada. Ela levanta a mão, olhando para IR. LÚCIA.

IR. LÚCIA
Sim, dona Helena Elizabeth?

HELENA ELIZABETH
Irmã, eu preciso muito ir ao banheiro. Não estou me sentindo bem. Será que eu podia...

IR. LÚCIA
Você tem o tempo em que estão sendo entregues os docs. Quando a Andréia sair, quero você de volta à classe. Fui clara?

HELENA ELIZABETH
Sim. Obrigada.

HELENA ELIZABETH sai da sala. ANDRÉIA olha para a porta sorrindo. RITA e MARIÂNGELA, colegas de HELENA ELIZABETH, se olham preocupadas e levantam suas mãos também.

RITA e MARIÂNGELA
Ir. Lúcia?

ANDRÉIA olha para RENATA, outra colega de HELENA ELIZABETH. Cúmplices, as duas sorriem. ANDRÉIA continua entregando os docs.

CENA 10 – INT/MANHÃ – BANHEIRO FEMININO DO COLÉGIO NORMAL NOSSA SENHORA DO CARMO
HELENA ELIZABETH está vomitando na privada do banheiro. Ela chora também. Chegam, correndo, RITA e MARIÂNGELA.

MARIÂNGELA
Helena Elizabeth, você está bem?

RITA
Se não estiver, trate de ficar. O recreio já vai começar e esse lugar vai encher de gente curiosa!

MARIÂNGELA pega uns papéis toalha e ajuda HELENA ELIZABETH a se limpar. RITA olha em volta para ver se ninguém se aproxima. HELENA ELIZABETH vai, chorando, até a pia.

MARIÂNGELA
É sobre seus pais?

HELENA ELIZABETH
Eu não consegui contar. Não consegui!

RITA
E vai deixar pra contar quando? No batizado?

HELENA ELIZABETH
A situação está muito difícil lá em casa.

RITA
E vai ficar ainda pior.

HELENA ELIZABETH recomeça o choro.

MARIÂNGELA (repreendendo RITA)
Rita! Pra quê dizer uma coisa dessas?

RITA
Mas é verdade. Quanto mais tarde ela contar, pior vai ser. E o Julian?

MARIÂNGELA
Os pais dele já sabem?

HELENA ELIZABETH
A gente combinou de contar pros nossos pais ontem. Eu ainda não falei com ele.

Ouve-se o sinal anunciando o início do recreio.

CENA 11 – EXT/MANHÃ – PÁTIO DO COLÉGIO NORMAL NOSSA SENHORA DO CARMO
As TRÊS caminham pelo pátio.

MARIÂNGELA
E ninguém sabe, então?

HELENA ELIZABETH
Eu estou desconfiada do Alfredo Luiz. Ele tem me tratado de um jeito tão estranho ultimamente.

RITA
Ai, Helena! O Alfredo Luiz é teu irmão! Ele nunca contaria pros seus pais sem a sua permissão.

RENATA se aproxima com os materiais de HELENA ELIZABETH.

MARIÃNGELA
Mas você precisa ir ao médico logo, Helena!

RITA (olhando para RENATA)
O que ela vem fazer com os teus materiais?

HELENA ELIZABETH
Não faço a menor idéia.

RENATA chega no grupo. Entrega os materiais que traz para HELENA ELIZABETH.

RENATA
Trouxe seus materiais. Você está bem?

HELENA ELIZABETH
Sim. Não precisava trazer...

MARIÂNGELA (para RENATA, pegando, de HELENA, os materiais que RENATA trouxe)
Quem pediu para você trazer os materiais da Helena?

RENATA (para HELENA)
Ué? Você não vai embora? Enjoada desse jeito, não pode ficar na aula. É o que todas na sala estão comentando.

MARIÂNGELA vê o doc de pagamento de HELENA ELIZABETH.

HELENA ELIZABETH
Todas na sala estão comentando?

RENATA
Claro!

RITA
É essa cantina aqui do colégio! Esse cheiro de cebola no terceiro período acaba com o estômago de qualquer um!

Vemos, ao fundo, IR. LÚCIA passar com ANDRÉIA. ANDRÉIA olha para o grupo de meninas.

RENATA (cínica)
Sim, claro! Um horror! Bom, vou indo. Preciso falar com a minha irmã. Até mais, colegas! (para HELENA) Vê se melhora, viu!

RENATA se afasta e alcança ANDRÉIA. As DUAS conversam e olham para o grupo de meninas. Depois, saem.

MARIÂNGELA (para HELENA, mostrando o doc)
Foi por causa disso que você não contou para os seus pais, não é?

HELENA ELIZABETH diz sim com a cabeça.

CORTA PARA:

CENA 12 – EXT/DIA – FRENTE DO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO
ANA IZABEL BERGAMIN DE MAGALHÃES chega à pé no Orfanato. Tão logo cruza o portão, um grupo de mais ou menos 20 meninos correm em sua direção. Vê-se que eles são divididos em dois grupos: um, em que os meninos estão vestidos com camisetas de cores que variam de vermelho; e outro, em que as camisetas têm cores diversas, sempre fugindo do vermelho. O GRUPO VERMELHO, mais à frente, está perseguindo um menino, ERNESTO, 7 anos, loiro e muito pequeno. O outro grupo tenta impedí-los de chegarem até ERNESTO. ERNESTO aproveita a chegada de ANA IZABEL e se abraça a ela, protegendo-se. Por fim, chega, esbaforida, FLÁVIA, a funcionária do Orfanato.

ANA IZABEL (severa)
Alguém pode me explicar o que é que está havendo aqui?

FLÁVIA
Dona Ana Izabel, que bom que a senhora veio! Pela hora, achei que havia acontecido alguma coisa. A senhora nunca se atrasa...

ANA IZABEL
Comigo não estava acontecendo nada. Eu vim de ônibus, como vou começar a vir a partir de agora. Mas, me parece, que aqui, sim, algo muito sério estava acontecendo.

FLÁVIA
São os meninos... Eles...

ANA IZABEL
Os meninos... Sei... (para os MENINOS) Todos para dentro, já! Vamos ter uma conversinha séria, mocinhos!

Envergonhada, FLÁVIA coloca os meninos para dentro. Alguns, os líderes, fogem do olhar de ANA IZABEL. Vemos, atrás, algumas meninas curiosas, que entram com medo de que se pense que elas também estavam envolvidas. FLÁVIA é a última a entrar. ANA IZABEL, então, olha para ERNESTO, fazendo sinal de que tudo já está tranqüilo. ANA IZABEL se abaixa, ficando da altura de ERNESTO.

ANA IZABEL
E você será o primeiro com quem quero conversar. O que está havendo?

ERNESTO
Não posso dizer.

ANA IZABEL
Não pode dizer? E por quê? Alguém está ameaçando você?

ERNESTO
Mesmo que estivesse, eu não diria.

ANA IZABEL
Ernesto, me conte o que está acontecendo!

ERNESTO
Não conto. São segredos de guerra.

ANA IZABEL
Guerra? Está havendo uma guerra no Orfanato?

ERNESTO
Sim. E se eu contar serei um traidor. E eu não sou um traidor.

ANA IZABEL
Não. Você não é um traidor. Mas será um soldado morto se não me contar tudo agora.

ERNESTO
Tia, isso é uma ameaça?

ANA IZABEL (tentando não sorrir)
Era para ser.

ERNESTO
Mesmo que fosse, eu não ia contar. Posso ir agora?

ANA IZABEL
Pode, soldado. Mas, ouça: eu estarei de olho no senhor!

ERNESTO bate continência. ANA, enfim, sorri. ERNESTO sorri também e sai. ANA IZABEL entra no orfanato.

CENA 13 – INT/DIA – GABINETE DE ANA IZABEL NO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO
FLÁVIA explica para ANA IZABEL o que estava acontecendo. ANA IZABEL está sentada à sua mesa e FLÁVIA, na cadeira em frente.

FLÁVIA
Eles brigam porque querem o quarto de brinquedos só para eles.

ANA IZABEL
Eles? Mas eles quem?

FLÁVIA
Os meninos que dormem no quarto da frente dizem que têm mais direitos sobre o quarto dos brinquedos porque estão há mais tempo aqui no orfanato. Os meninos do quarto do fundo, por sua vez, dizem que, por serem menores, precisam brincar mais.

ANA IZABEL
E as meninas?

FLÁVIA
As meninas nem ousam entrar no quarto de brinquedos, Dona Ana Izabel...

ANA IZABEL
E Ernesto? Ele é de qual dos dois grupos.

FLÁVIA
Do quarto do fundo. Os meninos do quarto da frente usam camisetas vermelhas.

ANA IZABEL
E por que os de camisetas vermelhas queriam pegar Ernesto?

FLÁVIA
Isso eu não sei explicar, não, senhora.

ANA IZABEL
Temos que achar um jeito de acabar com essa briga, Flávia. Como se não bastassem todos os problemas, agora temos mais esse... Vamos pensar numa solução juntas, está bem? Agora, vá que eu vou começar a ver uma papelada aqui que preciso encaminhar pra prefeitura.

FLÁVIA
É sobre o fechamento do orfanato, Dona Ana Izabel?

ANA IZABEL
É, sim...

FLÁVIA sai triste. ANA supira, olhando para vários documentos sobre a sua mesa. Seus olhos vêem fotos dos meninos, troféus e uma imagem de Nossa Senhora do Amor Divino.

ANA IZABEL
O que vai ser desses meninos depois que o Orfanato fechar, minha Nossa Senhora?

ANA IZABEL liga, do telefone que está sobre sua mesa, para CARLOS ALEXANDRE.

CORTA PARA:

CENA 14 – INT/MANHÃ – GABINETE DE CARLOS ALEXANDRE
ALFREDO LUIZ atende o telefone.

ALFREDO LUIZ
Mãe? O pai e eu estamos numa reunião importante!

CORTA PARA:

CENA 13 – INT/DIA – GABINETE DE ANA IZABEL NO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO - CONTINUAÇÃO

ANA IZABEL
É rápido, meu filho.

CORTA PARA:

CENA 14 – INT/MANHÃ – GABINETE DE CARLOS ALEXANDRE - CONTINUAÇÃO
ALFREDO LUIZ passa o telefone para CARLOS ALEXANDRE contrariado.

CARLOS ALEXANDRE
Oi, meu amor.

ANA IZABEL (off)
Tudo bem aí? Você está melhor?

CARLOS ALEXANDRE
Sim. E você aí? Como estão nossas crianças?

CORTA PARA:

CENA 13 – INT/DIA – GABINETE DE ANA IZABEL NO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO - CONTINUAÇÃO

ANA IZABEL
Ah, Carlos... Que situação difícil, não é? Eu estou desolada.

Vemos, através da janela, algumas meninas brincando no pátio do orfanato.

CALOS ALEXANDRE (off)
Nem me fale, minha querida. Você aí pensando nas crianças e eu aqui pensando nos funcionários.

CORTA PARA:

CENA 14 – INT/MANHÃ – GABINETE DE CARLOS ALEXANDRE - CONTINUAÇÃO

CARLOS ALEXANDRE
Mas não temos outra solução. O Orfanato terá mesmo que ser fechado. Cuide-se, minha querida. Nos vemos no almoço.

Vemos, através da janela, BARTÕ, ZÉ e PEDRO às voltas com a gata. ALFREDO LUIZ se levanta e vai até a janela observá-los.

ANA IZABEL (off)
Sim. Você passa aqui pra me pegar? Beijos.

CALOS ALEXANDRE
Passo sim. Beijos.

CARLOS ALEXANDRE desliga o telefone.

ALFREDO LUIZ
E, agora, mais essa gata!

DONA LORETA bate e entra na sala.

DONA LORETA
Desculpe atrapalhar, Seu Carlos Alexandre, mas o Seu Nivaldo Leal pediu que informasse o senhor de que ele já chegou.

CARLOS ALEXANDRE
Já chegou? Como assim? Eu não chamei esse senhor aqui. E nem quero esse sujeito aqui dentro da minha loja, Dona Loreta!

DONA LORETA
Me pareceu que...

ALFREDO LUIZ
Eu chamei o Seu Nivaldo aqui, papai.

CARLOS ALEXANDRE
Você? Você chamou o dono da loja da videogames aqui na BM Bicicletas?! E eu posso saber pra quê, Alfredo Luiz?

NIVALDO LEAL, aproveitando que a porta ficara entreaberta, entra no gabinete de CARLOS ALEXANDRE.

NIVALDO
Eu vim aqui para fazermos negócios, vizinho!

CARLOS ALEXANDRE
Eu não quero fazer negócios com você!

NIVALDO
Mas seu filho quer.

CARLOS ALEXANDRE olha com fúria para ALFREDO LUIZ.

CORTA PARA:

CENA 15 – INT/MANHÃ – CAPELA DO COLÉGIO NOSSA SENHORA DO CARMO
HELENA ELIZABETH e JULIAN conversam na capela.

JULIAN
Helena, você precisa entender que, pra mim, só a idéia de me sentir pai já é bastante complicada.

HELENA ELIZABETH
Se sentir pai é só uma coisa psicológica pra você. Pra mim, é uma coisa física também, Julian.

JULIAN
Eu sei. Eu sei. Você está certa. Mas você também não conseguiu falar para os seus pais que...

HELENA ELIZABETH
... que eles vão ser avós. Não. Não consegui também. A situação lá em casa está muito difícil.

JULIAN
Eu fiquei sabendo que você já está tendo enjôos. Você tem que procurar um médico, Helena.

HELENA ELIZABETH
Como você ficou sabendo disso?

JULIAN
A Renata me contou.

HELENA ELIZABETH
As notícias voam nessa escola, heim... Agora ela tem ótimas desculpas para ir falar com você. Ela pode sempre te dar um relatório completo de como eu estou e...

RENATA, que estava escondida, aparece.

RENATA (para HELENA)
De como você está e do motivo real que impediu você de contar para os seus pais que está esperando um filho dele.

HELENA ELIZABETH (para RENATA)
Motivo real? Você está louca? (para JULIAN) Julian, eu não contei pros meus pais porque, como eu disse, a situação lá em casa está muito difícil e...

RENATA (para JULIAN)
Ela está devendo três meses de pagamento aqui no colégio.

JULIAN (para RENATA)
E como você sabe disso?

HELENA ELIZABETH
Ela é irmã da Andréia, que trabalha na tesouraria aqui do colégio. (PARA RENATA) Sim, Renata, e o que é que você tem a ver com isso?

RENATA (para HELENA)
Mas não foi por isso que você não contou pros teus pais sobre o filho que eu sei que você está esperando do Julian.

JULIAN (para RENATA)
E qual foi o motivo, então?

RENATA
Julian, meu lindo, desde quando você terminou comigo para ficar com essa daí, eu vejo que você tem uma certa dificuldade para ver o que está na ponta do seu nariz. Você acha que os Bergamin de Magalhães vão aceitar um enjeitado, filho de um morador da Vila dos Trabalhadores como você, bairro onde eu também moro? É claro que não! E a Helena Elizabeth sabe muito bem disso. Só está esperando que você tome coragem para fazer o que ela ainda não fez.

HELENA ELIZABETH começa a passar mal.

JULIAN
Coragem para fazer o que?

RENATA
Ora essa... Sugerir um aborto.

HELENA ELIZABETH esconde-se para vomitar.

JULIAN (para HELENA)
É verdade isso? Você pensou nisso, Helena?

RENATA
O mínimo que vai acontecer com o seu filho, Julian, é ele ir parar no Orfanato Nossa Senhora do Amor Divino, que sua amável sogrinha dirige.

JULIAN
Meu filho... No orfanato...

JULIAN pega a sua mochila e sai da capela apressado. RENATA começa a sorrir. Vai até HELENA, pega um lenço e joga sobre ela. Calmamente, sai da capela, fazendo a genuflexão na porta. HELENA ELIZABETH chora.

CORTA PARA:

CENA 14 – INT/MANHÃ – GABINETE DE CARLOS ALEXANDRE - CONTINUAÇÃO

ALFREDO LUIZ (para DONA LORETA)
Dona Loreta, traga três xícaras de café, por favor!

CARLOS ALEXANDRE
Não precisa. A conversa vai ser rápida.

NIVALDO
Por mim, bem rápida mesmo porque eu estou cheio de coisas para fazer na loja.

ALFREDO LUIZ (para NIVALDO)
Sente-se, Seu Nivaldo. (ELE SENTA) Chamei o senhor aqui porque queremos, se é que o senhor me entende, começar a acabar com um certo preconceito que o meu pai aqui tem com o ramo dos videogames. Considerando sua imensa clientela e a movimentação do seu caixa...

NIVALDO
De fato, meus negócios prosperam a cada dia. Com a ajuda do Bom Deus que sempre me abençoa!

ALFREDO LUIZ (continuando)
Amém! E considerando as nossas dificuldades de nos mantermos no ramo de bicicletas...

CARLOS ALEXANDRE
No qual fomos líderes durante quase duas décadas até esse senhor aqui começar a influenciar a mente dos jovens aqui da nossa região...

ALFREDO LUIZ (continuando)
Gostaríamos de saber se há alguma forma de nos unirmos...

CARLOS ALEXANDRE
Nem pensar!!

ALDREDO LUIZ
Temos, por exemplo, uma casa na Vila dos Trabalhadores, onde, atualmente, funciona um orfanato, mas que...

CARLOS ALEXANDRE
O orfanato ainda não foi fechado, Alfredo Luiz!

ALFREDO LUIZ
... E imaginamos que lá poderia funcionar uma ampla loja de diversões online, onde os garotos da região poderiam jogar nos computadores que nós disponibilizaríamos. Estaríamos aproveitando o nosso local e a sua experiência, unindo esforços para...

CARLOS ALEXANDRE
Eu vou fazer de tudo para não fechar o orfanato e, se fecharmos, jamais abriria um negócio de computadores lá na Vila dos Trabalhadores onde...

NIVALDO
Espere aí. Eu acho que está havendo um engano aqui.

CARLOS ALEXANDRE
É claro que está!

NIVALDO
Eu não vim aqui pensando em abrir uma filial da minha loja na Vila dos Trabalhadores.

ALFREDO LUIZ
Não? Mas, quando eu conversei com o senhor, eu...

NIVALDO
Minha proposta é clara: eu quero alugar esse prédio e ampliar a minha loja aqui mesmo na região. E, não só pagarei muito bem pelo aluguel como também me comprometo em contratar todos os funcionários daqui, ganhando, pelo que sei, bem mais do que atualmente vocês têm pago. Além disso, seria ótimo se o senhor Carlos Alexandre aceitasse em se tornar o meu gerente, uma vez que ele é um homem muito conhecido e querido de toda a região aqui.

ALFREDO LUIZ
Nós insistimos no negócio na Vila dos Trabalhadores. Veja bem, seu Nivaldo, no orfanato, agora, nós temos quase cinqüenta crianças. Se somarmos a meninada do bairro, o senhor vai ver que teremos uma excelente clientela lá. É um mercado que precisa ser aberto e que vai nos dar muito lucro!

CARLOS ALEXANDRE
Quanto seria o aluguel e o salário de cada funcionário?

ALFREDO LUIZ
Pai, eu não acredito que o senhor está pensando em...

NIVALDO
Oito mil reais de aluguel por mês. Novecentos reais mais leis para os três vendedores e mil para Dona Loreta, porque estarei mesmo precisando de uma funcionária no setor de Departamento Pessoal.

DONA LORETA bate e entra no gabinete com uma bandeja e três xícaras de café.

ALFREDO LUIZ (bravo)
Dona Loreta, a senhora não ouviu meu pai cancelar os cafés?

DONA LORETA (para CARLOS ALEXANDRE)
Eu comprei o café com o meu dinheiro, Seu Carlos Alexandre. Desculpe-me.

CARLOS ALEXANDRE
Não tem do que se desculpar, Dona Loreta. Muito obrigado pelo café. Pode servir.

DONA LORETA serve e sai.

ALFREDO LUIZ
Seu Nivaldo, obrigado pela visita. Mas gostaria de lembrá-lo de que meu pai é um Bergamin de Magalhães e, como tal, jamais se sujeitaria a ser funcionário em uma loja como a sua. Nós sempre fomos e sempre seremos patrões. Tenha um bom dia!

ALFREDO LUIZ abre a porta e NIVALDO LEAL se levanta, ainda tomando café.

NIVALDO
E, estava me esquecendo de dizer, três mil reais mais leis trabalhistas para o novo gerente.

CARLOS ALEXANDRE
Seu Nivaldo, poderia, por favor, antes de sair, deixar o seu telefone com a Dona Loreta?

NIVALDO
Será um prazer, seu Carlos Alexandre. Obrigado pelo café.

CARLOS ALEXANDRE
Agradeça à Dona Loreta.

NIVALDO
Agradecerei. Tenham um bom dia.

CARLOS ALEXANDRE
O senhor também.

NIVALDO sai.

ALFREDO LUIZ
Acho que não há mais dúvidas sobre qual funcionário precisa, imediatamente, ser demitido. Onde já se viu oferecer café para esse homem? O culpado por estarmos com todos esses problemas. Isso, pra mim, só tem um nome: traição!

CARLOS ALEXANDRE (olhando para o relógio)
Meio dia. Vou buscar a sua mãe e ir almoçar. Você não vem?

ALFREDO LUIZ
Não. Vou aproveitar o horário de almoço para resolver umas questões pessoais.

CARLOS ALEXANDRE
Tudo bem, então. Até a tarde.

CARLOS ALEXANDRE sai. ALFREDO LUIZ senta na cadeira do pai e liga para DONA LORETA.

ALFREDO LUIZ (ao telefone)
Dona Loreta, antes de sair para o almoço, providencie os documentos necessários para a demissão de um funcionário, por favor. (...) O nome? Deixa que eu mesmo coloco. Obrigado.

ALFREDO LUIZ desliga o telefone. Pela janela, vemos a loja de videogames, vizinha da loja de bicicletas.

ALFREDO LUIZ
Está mais do que na hora do chefe mudar por aqui...

CORTA PARA:

CENA 16 – EXT/MEIO DIA – FRENTE DA MANSÃO DOS BERGAMIN DE MAGALHÃES
A mansão dos Bergamin de Magalhães é a casa mais bonita do bairro. Em frente a ela, param dois carros. Um é o de CARLOS ALEXANDRE, que traz também ANA IZABEL. O outro é o de ELVIRA, que traz também RITA e HELENA ELIZABETH. Todos descem.

ANA IZABEL
Helena Elizabeth, minha filha, tudo bem?

ELVIRA
Oi, Ana! Oi, Carlos Alexandre!

CARLOS ALEXANDRE
Olá, Elvira!

HELENA ELISABETH
Tudo bem, mãe.

ELVIRA
Rita e eu oferecemos uma carona pra Helena. A Rita me contou que ela passou mal hoje na escola.

ANA IZABEL
Nossa! Obrigada, Elvira! (PARA HELENA) Então, passou mal... O que houve, Helena? Você está pálida, minha filha...

CARLOS ALEXANDRE
Muito obrigado, Elvira. Foi muita gentileza sua.

ELVIRA
Podem contar comigo, Carlos. A Helena contou da decisão de vocês de mandarem ela de ônibus para a escola. Meu Deus! Um ônibus não é um transporte digno para meninas como ela. A Helena é um doce de pessoa... Não consigo imaginar alguém delicada como ela balançando num carro cheio de operários.

ANA IZABEL
Foi uma decisão difícil pra nós também, Elvira. Mas os tempos são outros agora. Precisamos economizar.

ELVIRA (lançando um olhar de cobiça para a Mansão)
Entendo... Uma Bergamin de Magalhães indo pra escola de ônibus!! É uma pena!

RITA (para CARLOS ALEXANDRE)
E o Alfredo? Ele não veio com o senhor, seu Carlos Alexandre?

CARLOS ALEXANDRE
Não, Rita. Disse que ia ficar resolvendo uns problemas pessoais.

ELVIRA (para RITA)
Vamos, Rita. (PARA ANA IZABEL E CARLOS ALEXANDRE) A moça está entregue, então. (PARA HELENA ELIZABETH) Helena, se quiser, amanhã, a gente vem buscar você. Você quer?

HELENA ELIZABETH
Obrigada, Dona Elvira. Mas a gente combina melhor depois, pode ser?

ELVIRA
Pode sim. Beijos, querida!

RITA
Até, Helena!

HELENA ELIZABETH (para RITA e ELVIRA)
Até! Obrigada!

ELVIRA e RITA entram no carro e vão embora.

CARLOS ALEXANDRE
É, minha filha, você está realmente muito pálida.

HELENA ELIZABETH
Logo passa, papai. Tem um monte de gente que pega ônibus várias vezes ao dia. Eu também vou me acostumar.

ANA IZABEL
Tomara, minha filha. Tomara!

CARLOS ALEXANDRE, ANA IZABEL e HELENA ELIZABETH entram na casa.

CORTA PARA:

CENA 17 – INT/MEIO DIA – CASA DE DONA LORETA
É uma casa simples, classe baixa. DONA LORETA entra seguida de PEDRO e ZÉ. ANDRÉIA e RENATA estão sentadas vendo televisão. Param uma conversa que estavam tendo quando a porta se abre.

PEDRO
Eu disse pro Zé que deixar aquele disinsufrido do Bartô a cuidar da bechana não seria uma coisa boa. Mas ele não escuta eu. Não escuta,não!


Compramo inté leite pra dar pra ela, Dona Loreta.

DONA LORETA (sorridente)
E tiraram dinheiro de onde pra comprar leite? (PARA AS FILHAS) Boa tarde, princesas! E, então, fizeram almoço pra nós?

ANDRÉIA e RENATA mostram que não acharam graça na pergunta feita pela mãe. Continuam, silenciosas, a assistir TV.

PEDRO (para ANDRÉIA e RENATA)
Tarde, meninas!

ZÉ (para ANDRÉIA e RENATA)
Tudo bem com as duas?

Nenhuma delas responde a nenhum dos dois. PEDRO e ZÉ mostram-se já acostumados com a frieza das duas.


Ué. Fizemos uma vaquinha pra conseguir leite.

PEDRO
Uma vaquinha pra conseguir leite é boa...


Mas foi isso mesmo, não foi? Cada um deu um pouquinho e juntamos tudo e aí conseguimos comprar o tal de leite.

DONA LORETA (entrando e saindo da sala, com pratos, copos, talheres e guardanapos)
E os gatinhos vão tomar o leite também?

PEDRO
Vaquinha pra conseguir leite... Não! Os gatinhos vão tomar só o leite das teta da mãe deles, ué.


E ficou lá também o demônio do Alfredinho.

DONA LORETA
Nem me fala! De hoje eu não passo! Ele ficou muito bravo comigo quando eu resolvi fazer café para a reunião deles. Mas eu tive boa intenção! Pensei até que o seu Carlos Alexandre ia gostar. E vocês sabem que eu acho que ele até que gostou? O seu Nivaldo foi lá me elogiar depois...

PEDRO
Escreve o que eu tou dizendo, Loreta. Nada naquela loja funciona sem a senhora!!

DONA LORETA
Ah, não sei, não...

DONA LORETA, PEDRO e ZÉ entram na cozinha onde continuam conversando. ANDRÉIA vê que a sala está livre e continua o papo com sua irmã, RENATA.

ANDRÉIA
Não vejo a hora dessa história da mãe trazer esses dois para almoçar aqui em casa acabar! Mas, anda! Continua me contando!!

RENATA
O Julian saiu que foi um raio da capela. E eu ainda fui lá e dei um lenço pra ela.

ANDRÉIA
Um lenço? Você é muito boa mesmo... Eu teria soltado uma gargalhada!

RENATA
Depois eu saí também. E não vi mais ele.

ANDRÉIA
Deixa estar que, depois dessa, ele volta pra você num instantinho. Aquele ali é pobre, mas tem valor. Como nós! Vocês dois vão longe! Além disso, Bergamin de Magalhães é coisa que não existe mais.

RENATA
Você tinha que ver a cara dela quando eu contei pra ele que ela estava devendo três meses de mensalidade.

ANDRÉIA
Eu não te falei? Isso acaba com a pose de qualquer um, Renata! E, você ouviu o que a mamãe falou? Que talvez a demissão dela não passe de hoje. Tomara mesmo. Amanhã bem cedo já damos entrada num processo por causas trabalhistas. Quando vê, vamos morar no Bairro Flamboyant de tanto dinheiro que aqueles lá vão ter que nos pagar!

RENATA
O Pedro e o Zé também podem processar eles.

ANDRÉIA
Ah, se vão! Eu só deixo esse negro e esse velho almoçarem aqui com a gente porque espero mesmo que eles façam isso. Quanto mais processos contra os Bergamin de Magalhães, mais rápido sai a sentença.

RENATA
E o dinheiro...

ANDRÉIA
E o dinheiro!!

DONA LORETA, PEDRO e ZÉ entram trazendo as travessas com o almoço.

DONA LORETA
Pois vamos ver se a menina traz a mãe dela hoje pra comprar a bicicleta. (para RENATA e ANDRÉIA) Tá na mesa, meninas!

ANDRÉIA e RENATA levantam-se e se sentam à mesa com DONA LORETA, PEDRO e ZÉ.

CORTA PARA:

CENA 18 – INT/MEIO DIA – MANSÃO DOS BERGAMIN DE MAGALHÃES – SALA DE JANTAR
CARLOS ALEXANDRE, ANA IZABEL e HELENA ELIZABETH entram para almoçar.

HELENA ELIZABETH
Vocês se importam se eu não almoçar? Ainda não estou bem...

ANA IZABEL
Enjoada? De novo?

HELENA ELIZABETH
Deve ser ainda por causa do ônibus.

CARLOS ALEXANDRE
Tudo bem, minha filha. Mas depois, coma alguma coisa. Você vai ficar muito fraca se não comer nada.

HELENA ELIZABETH
Tudo bem, papai. Com licença.

ANA IZABEL
Toda, minha filha.

HELENA ELIZABETH sai.

ANA IZABEL
Ai, Carlos. Já estou ficando preocupada com esses enjôos da Helena. Semana passada foram três!

CARLOS ALEXANDRE
Eu sei que não é bom nem pensar, mas... Ana, onde é que será que anda aquele tal de Julian, com quem a Helena Elizabeth estava namorando, heim?

ANA IZABEL
Desde que a gente proibiu os dois de namorarem, nunca mais ouvi a Helena falar dele. Você acha que...?

CARLOS ALEXANDRE
Será que querendo fazer o bem, a gente não fez mal a nossa filha?

ANA IZABEL
Ai, minha Nossa Senhora! Não quero nem pensar no pior...

LUIZA, a empregada, entra com as travessas de comida e as põe na mesa. ANA IZABEL e CARLOS ALEXANDRE sentam.

CARLOS ALEXANDRE
Luiza, hoje quero que você almoce conosco.

ANA IZABEL estranha o convite do marido. LUIZA se assusta.

LUIZA
Eu, Dr. Carlos Alexandre?

CARLOS ALEXANDRE
É. Você. Há outra Luiza por aqui?

LUIZA (preparando um choro)
Então, quer dizer que eu não sou mais sua empregada?

ANA IZABEL
Carlos...

CARLOS ALEXANDRE
Justamente o contrário...

LUIZA
Como assim?

CARLOS ALEXANDRE
Você continua sendo nossa empregada. Mas, agora, eu não sou mais o patrão. E, como tal, não quero que uma “colega” fique em pé enquanto eu almoço.

ANA IZABEL
Eu não estou entendendo.

LUIZA
Muito menos eu, Dona Ana Izabel.

CARLOS ALEXANDRE
Eu explico. Hoje, pela manhã, apareceu na minha loja o Nivaldo Leal, dono da loja de computadores ao lado da nossa loja de bicicletas e...

ANA IZABEL
Você recebeu ele? Mas você sempre disse que...

CARLOS ALEXANDRE
Os tempos mudaram, minha querida. (PARA LUIZA) Luiza, por que é que você continua em pé?

LUIZA senta à mesa constrangida.

CARLOS ALEXANDRE (para ANA IZABEL)
Ele me fez uma proposta que, se eu aceitar, nossos problemas estarão resolvidos. (PARA LUIZA) Me passe o seu prato, Luiza. (PARA AS DUAS) Ele me propôs o seguinte...

CARLOS ALEXANDRE serve o prato de LUIZA e continua falando.

AVANÇO DE TEMPO.

CARLOS ALEXANDRE, ANA IZABEL e LUIZA estão com os pratos e copos pela metade, sinal de que estão no meio do almoço.

CARLOS ALEXANDRE (feliz)
Agora, eu também serei empregado!

ANA IZABEL
Meu amor, esse acordo vai resolver todos os nossos problemas!

CARLOS ALEXANDRE
Todos, não. Mas a grande maioria, sim. Os financeiros pelo menos...

ANA IZABEL
Ah... Eu estava com tanta pena do Bartô, do Zé e do Pedro... E da Dona Loreta também!

LUIZA
E de mim, Dona Ana Izabel? Eu estou sem receber faz três meses!!

CARLOS ALEXANDRE
Nós nunca vamos esquecer tudo o que vocês todos fizeram por nós, Luiza.

LUIZA
Nem eu o que os senhores fizeram por mim. Quando a minha filha e eu precisamos, vocês foram os únicos que nos estenderam a mão. A gente não esquece as coisas boas que fizeram pra gente.

ANA IZABEL (para CARLOS ALEXANDRE)
Então, quer dizer que talvez não precisemos vender a casa onde funciona o orfanato? O orfanato talvez não precise ser fechado?

CARLOS ALEXANDRE
Ainda precisamos ver se o acordo com o Nilvado sairá. Mas, mesmo assim, talvez precisemos de um dinheiro grande para nossas dívidas mais urgentes. (LEMBRANDO) Ah, minha querida, fiquei sabendo, hoje cedo, de quatro futuros habitantes pro seu Orfanato.

ANA IZABEL
Quatro crianças sem mãe? Logo agora...

CARLOS ALEXANDRE
Não são bem crianças. E não estão exatamente sem a mãe.

ANA IZABEL
Como assim? Se eles têm a mãe, não precisam ir pra lá. E, meu amor, você disse que não são crianças?

CARLOS ALEXANDRE
Uma gata deu cria hoje de madrugada lá na loja. Talvez seus meninos iriam gostar de cuidar dela e dos gatinhos, não?

LUIZA
Quatro filhotinhos? Mas que lindinhos que não devem ser, Dona Ana Izabel!! E faz bem pra criança ter bichinhos de estimação...

ANA IZABEL
Tomara que essa gatinha ajude a torná-los menos briguentos... Hoje de manhã, quando eu cheguei no orfanato, vocês não imaginam o que...

ANA IZABEL começa a contar o que aconteceu com os meninos no orfanato.

CORTA PARA:

CENA 19 – INT/TARDE – CORREDOR DO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO
Mais ou menos dez meninos vestindo camisetas que variam em tons de vermelho estão silenciosos no corredor do Orfanato. O chefe, CHICO, 11 anos, alto e forte, está na porta que abre para o quarto de brinquedos. Ele abre uma fresta da porta e espia. Dentro, brincando, estão os “meninos do quarto do fundo” que, de um modo geral, têm idades inferiores aos meninos de vermelho. Vemos, também, sobre o armário de brinquedos, uma bandeira verde e vermelha, com um quadrado branco no centro, hasteada. CHICO fecha a porta novamente e faz sinal de silêncio e atenção para seus colegas. Mostra, então, umas bolinhas de meia que traz consigo e uma grande almofada e faz um sinal com a cabeça, a que todos respondem mostrando, igualmente, suas bolinhas. Alguns deles riem, corajosos. CHICO mostra o número três, em seguida, o número dois e, por fim, o número um. Abre a porta do quarto de brinquedos. Os MENINOS DE CAMISETA VERMELHA fazem uma gritaria e invadem o quarto. CHICO é o único que não entra no quarto. Os MENINOS DO QUARTO DO FUNDO, por sua vez, reagem como podem, usando travesseiros e outras bolinhas de meia. Gritaria geral. BOCA é o chefe dos MENINOS DO QUARTO DO FUNDO.

BOCA (para os seus inimigos)
Pensaram que não estávamos aguardando vocês, é? (PARA SEUS AMIGOS) Amigos, ao ataque!

ZEZINHO (de camiseta vermelha, para PASTOR, também vermelho)
Cuidado, Pastor! Atrás de você!

Dois meninos, CARLOS e TITO, do QUARTO DO FUNDO, investem sobre PASTOR, um CAMISETA VEMELHA grande e forte.

TITO (para PASTOR)
Você é grande, Pastor, mas nós somos dois!

PASTOR
Eu pego vocês!

Confusão geral. Travesseiros e bolinhas de meia voam por todo o quarto. Mais fortes, os MENINOS DE CAMISETA VERMELHA parecem ter mais vantagem sobre os MENINOS DO QUARTO DO FUNDO que são mais numerosos. De repente, vemos um MENINO DE CAMISETA VERMELHA dar um chute num MENINO DO QUARTO DO FUNDO.

BOCA (lutando com um CAMISETA VERMELHA)
Chutes e pontapés não fazem parte das regras! Só bolinhas de meia e travesseiros foi o combinado. Vocês estão roubando!

ZEZINHO (lutando contra dois do QUARTO DO FUNDO)
Vocês são mais do que nós, que somos poucos!

Dentro da caixa de brinquedos, ERNESTO, escondido, vê a guerra. Pela janela do quarto, ele vê que ANA IZABEL chegar com HELENA ELIZABETH no orfanato, trazidas por CARLOS ALEXANDRE.

CARLOS (lutando com PASTOR)
Vocês são mais velhos que nós! Covardes!

Os MENINOS DE CAMISETA VERMELHA prendem, com lençóis, os MENINOS DO QUARTO DO FUNDO. ZEZINHO escala o armário de brinquedos e pega a bandeira dos MENINOS DO QUARTO DO FUNDO.

TITO (para CARLOS)
Ah, não! Ele pegou nossa bandeira!!

ZEZINHO
Peguei a bandeira deles! Vamos pôr a nossa!

BOCA (ainda lutando)
A guerra ainda não acabou! Onde estará Chico? Por que ele não veio pra luta? Será que ficou com medo?

A porta se abre e entra CHICO, que voa sobre BOCA com uma grande almofada vermelha. BOCA, não resistindo, cai no chão.

CHICO (gritando)
O chefe no chão é guerra perdida! São as regras!!

Os CAMISETAS VERMELHAS comemoram levantando CHICO sobre os ombros. Gritos: “Chico é nosso rei!”. Jogam entre si a bandeira dos MENINOS DO QUARTO DO FUNDO, que estão desolados com a derrota. CHICO é baixado novamente e abraça seus colegas. ERNESTO, então, pula de dentro da caixa de brinquedos com uma almofada fina, um grande cilindro estofado. ERNESTO passa essa almofada em volta do pescoço de CHICO, que é muito maior que ele, e aperta, fazendo com que ele fique sem ar. CHICO cai no chão.

ERNESTO (gritando)
O chefe no chão é guerra perdida! Vencemos!

BOCA se reergue. Os MENINOS DO QUARTO DO FUNDO ajudam-se uns aos outros a se soltarem e comemoram com muita gritaria. Os MENINOS CAMISETAS VERMELHAS assumem a derrota, muito chateados. Entra, então, no quarto dos brinquedos, ANA IZABEL, seguida de FLÁVIA e de HELENA ELIZABETH.

ANA IZABEL (batendo palmas)
Parabéns! Meninos!

CHICO
Parabéns? A senhora está do lado deles?

ANA IZABEL
Parabéns a todos! Fizeram um ótimo trabalho!

BOCA
Fizemos é?

ANA IZABEL
Sim. Nos ajudaram muito!

TITO
Como assim, Dona Ana Izabel?

ANA IZABEL
Esse quarto será reformado. E íamos mesmo pedir que tirassem tudo de dentro das caixas e nos ajudassem a transferir tudo que está aqui para o depósito. Todos os brinquedos ficarão lá por um tempo.

BOCA
O quarto de brinquedos vai ser reformado?

CHICO
Então, nós brigamos por nada?

FLÁVIA
Já que começaram, vão ter que terminar. Meninos, abram o armário e comecem a tirar tudo. Andem!

Os meninos todos começam a obedecer. Todos estão visivelmente muito chateados. ERNESTO está desolado.

ANA IZABEL
Ernesto, você também! Mexa-se!

ERNESTO (para si)
Nossa luta foi em vão?

ANA IZABEL sai do quarto, ao ver ERNETO, triste, pegar a bandeira dos MENINOS DO QUARTO DO FUNDO do chão.

CORTA PARA:

CENA 20 – INT/TARDE – LOJA “BM BICICLETAS”
BARTÔ assiste à gata tomando leite quando entra ALFREDO LUIZ.

BARTÔ
Bebe tudo, peluda! Tudinho! A gente não pode botar esse leite na geladeira aqui não. Tu tá na camufla aqui e o teu leite também. Então, se você não der conta disso tudo hoje, babau! Amanhã vai estar estragado!

ALFREDO LUIZ (entrando)
Bartô, eu não mandei vocês sumirem com essa gata daqui da loja?

BARTÔ
Mas e como é que a gente ia sumir com a gata desse jeito? Você não viu o jeito que a peluda tá, Alfredo?

ALFREDO LUIZ
Não me interessa como ela está. Quero ela fora daqui já! Anda! Me dá ela aqui!

BARTÔ
O que você vai fazer com ela?

DONA LORETA, PEDRO e ZÉ entram na loja e assistem à cena.

BARTÔ
Você não vai maltratar ela não, né?

ALFREDO LUIZ (rindo)
Não... Claro que não. (SÉRIO.) Anda, me dá ela aqui agora!

BARTÔ
Você promete?

ALFREDO LUIZ
Por que eu faria mal à gata? Eu só não quero ela aqui porque pode ser que apareçam clientes com alergia a gatos. Faz mal pra nossa imagem. E a secretaria da saúde já mandou um comunicado. Alguém já reclamou e...

BARTÔ (acreditando)
Secretaria da Saúde? Puxa vida... Que gente fofoqueira...

ALFREDO LUIZ
Pois é... Não vou maltratar ela não. Pode confiar. Me dê a gata aqui.

BARTÔ entrega a gata para ALFREDO LUIZ que faz um carinho nela.

ALFREDO LUIZ (com a gata na mão, para a secretária)
Dona Loreta, Seu Nivaldo deixou o número dele como o papai pediu?

DONA LORETA (caminhando em direção a sua sala)
Sim, o celular.

ALFREDO LUIZ
Ótimo! Me dê, por favor.

DONA LORETA (entregando o telefone e documentos)
Aqui está o telefone e o que o senhor me pediu hoje, antes do meio dia: formulários para a demissão de funcionário.

ALFREDO LUIZ
Ah, é mesmo! Eu já havia até me esquecido. A senhora é muito eficiente! Muito obrigado!

ALFREDO LUIZ entra no gabinete do pai com a gata, o telefone e os documentos, e fecha a porta.

ALFREDO LUIZ (para si)
Vou acabar imediatamente com essa associação entre meu pai e esse Nivaldo, antes mesmo que ela comece.

A GATA morde ALFREDO LUIZ e pula do colo dele.

ALFREDO LUIZ
Ai! Gata desgraçada! Eu te pego!

A GATA foge, mas ALFREDO LUIZ pega ela novamente. Ela mia reclamando, assustada. ALFREDO LUIZ disca o número de Nivaldo.

ALFREDO LUIZ (discando)
Nivaldo Leal... O número é... (PARA A GATA) E você, bico fechado, sua pulguenta!

NIVALDO (off)
Alô?

A porta do gabinete se abre e CARLOS ALEXANDRE entra. A GATA pula correndo do colo de ALFREDO LUIZ e sai. Às costas de CARLOS ALEXANDRE, vemos os quatro funcionários. BARTÔ acolhe a gata novamente.

ALFREDO LUIZ (assustado)
Boa tarde, papai. Telefone para o senhor.

ALFREDO LUIZ entrega o telefone para o pai. CARLOS ALEXANDRE pega o telefone.

CARLOS ALEXANDRE
BM Bicicletas – Carlos Alexandre. Sim?

CORTA PARA:

CENA 21 – INT/TARDE – GABINETE DE NIVALDO LEAL NA LOJA “LEAL INFORMÁTICA”
NIVALDO fala ao telefone com CARLOS ALEXANDRE. Percebe-se que o gabinete de Nivaldo é muito mais moderno e bonito que o do vizinho Carlos Alexandre.

NIVALDO
Oi, Seu Carlos Alexandre! Aqui é Nivaldo. E então? Pensou na minha proposta?

CORTA PARA:

CENA 20 – INT/TARDE – LOJA “BM BICICLETAS” - CONTINUAÇÃO

CARLOS ALEXANDRE
Nivaldo, da loja de computadores daqui do lado? (SURPRESO) Pensei, sim. Poderíamos tomar um café juntos hoje à tarde?

NIVALDO (off)
Será um prazer.

CARLOS ALEXANDRE
Às três horas, então.

NIVALDO (off)
Eu lhe aguardo. Até logo!

CARLOS ALEXANDRE
Até!

CENA 21 – INT/TARDE – GABINETE DE NIVALDO LEAL NA LOJA “LEAL INFORMÁTICA” – CONTINUAÇÃO

CARLOS ALEXANDRE (off)
E obrigado por ter ligado!

NIVALDO
Mas foi o senhor quem ligou. Não?

CARLOS ALEXANDRE (off)
Eu?

CENA 20 – INT/TARDE – LOJA “BM BICICLETAS” - CONTINUAÇÃO
CARLOS ALEXANDRE olha para ALFREDO LUIZ, que está branco, tentando disfarçar, mexendo em documentos sobre a mesa.

CARLOS ALEXANDRE
Ah, sim... Sim. É mesmo! Até mais, então.

NIVALDO (off)
Até!

CARLOS ALEXANDRE desliga o telefone.

CARLOS ALEXANDRE (para ALFREDO LUIZ)
Vi a gata no seu colo... Eu não sabia que você gostava de gatos! É uma pena! Tenho uma má notícia pra você, então: a gata vai embora!

ALFREDO LUIZ
Eu fico é feliz! Aqui é um local de trabalho sério. Ainda bem que o senhor vai dar um fim nesse saco de pulgas e nos filhotinhos dela. Por mim, podem todos virar sabão!

CARLOS ALEXANDRE (levemente ameaçador, sentando em sua cadeira na escrivaninha)
Sabão? Não... Você mesmo vai levar ela hoje no veterinário e, depois da consulta, vai levar ela ao Orfanato da sua mãe que a está esperando sã e salva.

ALFREDO LUIZ (de pé)
Eu? Levar essa gata suja no meu carro pro veterinário e depois pro Orfanato da mamãe?

BARTÔ, PEDRO, ZÉ e DONA LORETA, que ouviram a pergunta, porque a porta estava aberta, ficam felizes. ALFREDO LUIZ, com raiva, fecha a porta.

CORTA PARA:

CENA 22 – INT/TARDE – LOJA “LEAL INFORMÁTICA”
Muitos computadores. Algumas pessoas jogam, outras mandam e-mails e outras falam com os atendentes sobre artigos de informática. NIVALDO está falando com um CLIENTE. JULIAN entra.

JULIAN
Boa tarde, seu Nivaldo!

NIVALDO (para o CLIENTE, sobre JULIAN)
Esse aí é campeão aqui! Tem até desconto na casa! (PARA JULIAN, SOBRE O CLIENTE) E, então, Julian? Vai querer encarar o nosso amigo aqui?

JULIAN
Vou deixar pra próxima! Hoje só vim entrar na internet mesmo.

NIVALDO (liberando um computador para JULIAN)
Tá certo... Final de semana tem corujão. Já se inscreveu?

JULIAN
Eu ainda vou ver se vou poder, Seu Nivaldo. Mas ainda tem tempo até o final de semana...

NIVALDO
Tem sim. (REFERINDO-SE AOS COMPUTADORES LIVRES) Pode escolher a máquina.

JULIAN
Valeu.

JULIAN escolhe um computador livre e digita a senha. NIVALDO e CLIENTE continuam conversando.

CORTA PARA:

CENA 23 – INT/TARDE – CASA DE DONA LORETA
Na sala da casa de Dona Loreta, RENATA está sentada ao computador. Uma janela “pula” na tela informando que JULIAN se conectou.

RENATA (gritando)
Andréia!! Ele entrou!

ANDRÉIA vem da cozinha secando as mãos.

ANDRÉIA
O Julian se conectou?

RENATA
Está online.

ANDRÉIA
Agora, maninha, finalmente, chegou a sua vez!

RENATA
Sim! Vou falar com ele!

RENATA digita. ANDRÉIA volta para a cozinha.

CORTA PARA:

CENA 22 – INT/TARDE – LOJA “LEAL INFORMÁTICA” - CONTINUAÇÃO
Na tela do computador de JULIAN, uma janela de chat “pula”. Vemos a foto de RENATA e a frase “Oi!”. JULIAN fecha a janela. CARLOS ALEXANDRE entra na loja e é recebido por NIVALDO.

CARLOS ALEXANDRE
Boa tarde, vizinho!

NIVALDO
Muito boa! Não é?

CARLOS ALEXANDRE
Eu espero que sim. Poderíamos conversar?

NIVALDO (sorrindo)
Só se for pra continuarmos o papo de hoje de manhã.

CARLOS ALEXANDRE
É por isso que eu vim.

NIVALDO (lembrando)
Ah... Mas tem um probleminha. Algo mudou de hoje de manhã pra agora, Seu Carlos Alexandre.

CARLOS ALEXANDRE (surpreso)
É mesmo? O que foi? A proposta não está mais em pé?

NIVALDO
O problema é que...

NIVALDO faz suspense.

NIVALDO
Não temos aqui alguém que faça um café tão gostoso como o de Dona Loreta.

Os DOIS riem.

CARLOS ALEXANDRE (aliviado)
Pois, no que depender de mim, não têm “ainda”!

NIVALDO
Pois, então, vamos passar para o meu gabinete, Seu Carlos Alexandre.

NIVALDO conduz CARLOS ALEXANDRE para o gabinete.

CORTA PARA:

CENA 23 – INT/TARDE – CASA DE DONA LORETA – CONTINUAÇÃO
ANDRÉIA entra na sala novamente. RENATA está ansiosa em frente ao computador.

ANDRÉIA
E, aí? Como está o papo?

RENATA
Ainda não houve papo. Eu já dei oi pra ele e ele não me respondeu.

ANDRÉIA
E não tem como chamar a atenção dele?

RENATA
Tem. Apertando aqui, a tela do Julian treme lá onde ele estiver. Já fiz isso três vezes e nada!

ANDRÉIA
Bom, de certo ele se conectou, mas não está perto do computador.

RENATA
E eu nem posso dar um toque pro celular dele porque não tenho créditos. E ele também não.

ANDRÉIA
Fica aí. Daqui a pouco, ele responde. Deve mesmo estar ocupado.

CORTA PARA:

CENA 22 – INT/TARDE – LOJA “LEAL INFORMÁTICA” - CONTINUAÇÃO
JULIAN passa os dedos sobre o teclado sem apertar nenhuma tecla, completamente entediado. A única janela que pula na tela dele é a de RENATA. Ele não olha para tela do computador.

CORTA PARA:

CENA 24 – INT/TARDE – SALA DE BRINQUEDOS DO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO
BOCA, CHICO, ERNESTO e os outros meninos vêem com tristeza a chegada de latas de tinta e a saída dos colchonetes, armários e caixas de dentro do quarto. Os meninos saem. ANA IZABEL está feliz tentando arrumar as coisas que estavam no quarto e que agora estão espalhadas no corredor. FLÁVIA e HELENA ELIZABETH entram com duas latas de tinta.

HELENA ELIZABETH
Chegaram essas tintas aqui, mamãe.

FLÁVIA
Eu ainda não entendo como essa reforma vai ajudar na guerra entre os meninos do quarto do fundo e os meninos do quarto da frente.

ANA IZABEL
Por acaso, Flávia, você já viu a cor da tinta que eu comprei?

HELENA ELIZABETH e FLÁVIA olham para o rótulo da lata.

FLÁVIA (rindo)
Dona Ana Izabel! A senhora comprou tinta rosa!

HELENA ELIZABETH
As meninas vão adorar! Agora, os meninos...

ANA IZABEL (feliz)
Vão aprender a lição de vez!

FLÁVIA
Mas o melhor de tudo é a ver a senhora feliz, Dona Ana Izabel. Nem parece que vamos ter que fechar o orfanato.

ANA IZABEL
Hoje, o Carlos Alexandre vai ter uma reunião muito importante e, talvez, o Nossa Senhora do Amor Divino não precise ser fechado!

FLÁVIA
Nossa Senhora há de ajudar! Ela nunca nos falta!

ANA IZABEL
Nunca!

ALFREDO LUIZ entra.

HELENA ELIZABETH
Ih! Olha só quem é o primeiro menino a vir aprovar a idéia do quarto rosa! Tudo bom, Alfredo Luiz?

ALFREDO LUIZ
Vocês vão pintar isso aqui de rosa?

FLÁVIA
Idéia de sua mãe para poder privilegiar o uso do quarto pelas meninas.

ANA IZABEL
Gostou da idéia, Alfredo Luiz?

ALFREDO LUIZ
Por mim, tanto faz. Trouxe a gata.

FLÁVIA
Gata?

ANA IZABEL (para ALFREDO LUIZ)
E os gatinhos todos?

ALFREDO LUIZ
Os quatro. Acabei de chegar do veterinário.

HELENA ELIZABETH
São os gatinhos que nasceram essa madrugada lá na loja do papai?

ALFREDO LUIZ
Sim. Tão lá no porta-malas do carro.

FLÁVIA
Mais que lindos que eles não devem ser! As crianças vão adorar, Dona Ana Izabel!

ANA IZABEL
No porta-malas? Coitadinhos, meu filho! Traga eles para cá. Vamos acomodá-los na garagem.

ALFREDO LUIZ
Eu não boto mais um dedo naqueles saquinhos de pulgas.

FLÁVIA (saindo)
Eu pego eles, Dona Ana Izabel!

HELENA ELIZABETH
E eu ajudo, mamãe! Adoro gatinhos! Ainda mais bebês!

HELENA ELIZABETH sai seguindo FLÁVIA.

ALFREDO LUIZ
Eu vou indo, mamãe.

ANA IZABEL
Obrigado por ter trazido eles, meu filho.

ANA IZABEL dá um beijo no filho que sai. ANA IZABEL se volta para dentro do quarto, entretendo-se com os afazeres da reforma. HELENA ELIZABETH entra.

HELENA ELIZABETH (para ALFREDO LUIZ)
Precisamos da chave para abrir o porta-malas.

ALFREDO LUIZ
Tudo isso pra salvar os bebês?

HELENA ELIZABETH (corando)
Sim.

ALFREDO LUIZ
Que bom saber que você gosta tanto de bebês. Ou será que nesses últimos meses seu interesse por crianças aumentou e ninguém lá em casa, além de mim, notou?

ALFREDO LUIZ, com as chaves na mão, se afasta rindo. HELENA ELIZABETH congela enjoada. Na porta, ALFREDO LUIZ pára.

ALFREDO LUIZ
Mas eu dou a você até o final da semana para contar pra eles. Se não, eu conto.

ALFREDO LUIZ abre a porta e sai assobiando. HELENA ELIZABETH está nitidamente enjoada.

CORTA PARA:

CENA 25 – INT/TARDE – LOJA “LEAL INFORMÁTICA”
JULIAN está jogando no mesmo computador em que estava antes. CARLOS ALEXANDRE e NIVALDO saem do gabinete, entrando na área comum da loja. Ambos estão felizes.

NIVALDO
Estou felizes por termos selado acordo, Seu Carlos Alexandre.

CARLOS ALEXANDRE
Só Carlos Alexandre agora, patrão!

NIVALDO
Eu tiro o “seu”, se o senhor, ou melhor, você nunca mais me chamar de “patrão”.

CARLOS ALEXANDRE
Combinado!

CARLOS ALEXANDRE nota a presença de JULIAN na loja.

CARLOS ALEXANDRE (para JULIAN)
Então, você prefere jogos de computador a bicicletas?

NIVALDO
Um dos nossos melhores clientes! (PARA JULIAN) Ué, Julian, você não disse que hoje não ia jogar? Ficou medo daquele menino a quem eu te apresentei, é?

JULIAN
Não... Eu não queria mesmo jogar. Estou aqui esperando uma pessoa entrar na internet pra gente conversar... (COM CORAGEM, OLHANDO NOS OLHOS DE CARLOS ALEXANDRE) Eu estou esperando a Renata, seu Carlos Alexandre.

CARLOS ALEXANDRE
Olha, meu filho, eu acho que a Ana Izabel e eu lhe devemos desculpas. E pra mostrar que não temos nada contra você, eu vou te fazer esse favor.

CARLOS ALEXANDRE pega o celular e disca para ANA IZABEL.

CORTA PARA:

CENA 26 – INT/TARDE – SALA DE BRINQUEDOS DO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO
ANA IZABEL está abrindo as latas de tinta no quarto de brinquedos. Há um PINTOR também ajudando ela. O celular toca.

ANA IZABEL (atendendo)
Ai, que bom que você ligou, meu amor. Estou ansiosa! Tudo bem na reunião com o Nivaldo?

CARLOS ALEXANDRE (off)
Tudo melhor que o esperado, meu amor! E agora, faremos de tudo para não fechar o seu orfanato.

ANA IZABEL
Ai! Nós vamos conseguir, meu amor! Vamos sim!

FLÁVIA e HELENA ELIZABETH entram com a caixa de gatinhos.

CORTA PARA:

CENA 25 – INT/TARDE – LOJA “LEAL INFORMÁTICA” - CONTINUAÇÃO
CARLOS ALEXANDRE fala ao telefone. JULIAN está de pé, na expectativa do que CARLOS ALEXANDRE irá fazer. NIVALDO, ao fundo, atende um outro CLIENTE.

CARLOS ALEXANDRE
O Alfredo Luiz levou os gatinhos?

ANA IZABEL (off)
Sim. As crianças adoraram! A Flávia e a Helena acabaram de chegar aqui com os filhotinhos. São lindos!

CARLOS ALEXANDRE
A Helena está aí com você? Eu posso falar com ela?

ANA IZABEL (off)
Pode sim. Beijos, meu amor! Até a noite!

CORTA PARA:

CENA 26 – INT/TARDE – SALA DE BRINQUEDOS DO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO - CONTINUAÇÃO
FLÁVIA e o PINTOR brincam com os gatinhos.

ANA IZABEL (passando o celular para HELENA ELIZABETH)
Seu pai quer falar com você.

HELENA ELIZABETH pega o telefone. ANA IZABEL brinca com os gatinhos também.

HELENA ELIZABETH
Oi, papai!

CARLOS ALEXANDRE (off)
Oi, minha filha! Tudo bem?

CORTA PARA:

CENA 25 – INT/TARDE – LOJA “LEAL INFORMÁTICA” - CONTINUAÇÃO

CARLOS ALEXANDRE
Tem alguém aqui comigo que está querendo falar com você.

CARLOS ALEXANDRE passa o celular para JULIAN. Ele pega o telefone surpreso com o gesto de CARLOS ALEXANDRE. Os dois sorriem um para o outro.

JULIAN
Helena? Sou eu, Julian.

CORTA PARA:

CENA 26 – INT/TARDE – SALA DE BRINQUEDOS DO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO - CONTINUAÇÃO

HELENA ELIZABETH (ao telefone)
Julian?

HELENA ELIZABETH olha para ANA IZABEL que a encara com estranheza. ANA IZABEL sorri para a filha.

CORTA PARA:

CENA 25 – INT/TARDE – LOJA “LEAL INFORMÁTICA” - CONTINUAÇÃO

JULIAN
Eu tou aqui no cyber ao lado da loja do seu pai. Tava esperando para teclar com você.

HELENA ELIZABETH (off)
A gente está sem internet lá em casa. Foi cortada.

JULIAN
Hummm.

CENA 26 – INT/TARDE – SALA DE BRINQUEDOS DO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO - CONTINUAÇÃO

JULIAN (off)
Mas eu estou ligando para...

HELENA ELIZABETH
Meu pai está aí com você?

JULIAN (off)
Helena, eu...

CORTA PARA:

CENA 25 – INT/TARDE – LOJA “LEAL INFORMÁTICA” - CONTINUAÇÃO

JULIAN (olhando para CARLOS ALEXANDRE)
Eu queria dizer a você que você é a mulher da minha vida. E que eu te amo.

CARLOS ALEXANDRE sorri para JULIAN, que corresponde.

CORTA PARA:

CENA 26 – INT/TARDE – SALA DE BRINQUEDOS DO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO - CONTINUAÇÃO
HELENA ELIZABETH está emocionada.

HELENA ELIZABETH
Meu pai está ouvindo você dizer isso? (OLHA PARA A MÃE) Você dizer que me ama?

ANA IZABEL abraça a filha.

JULIAN (off)
Sim.

HELENA ELIZABETH faz sinal de “sim” para a ANA IZABEL.

HELENA ELIZABETH
Eu também te amo, Julian. E tenho certeza de que você é o homem da minha vida.

CORTA PARA:

CENA 25 – INT/TARDE – LOJA “LEAL INFORMÁTICA” - CONTINUAÇÃO

JULIAN
Vai dar tudo certo, viu?

HELENA ELIZABETH (off)
Tomara.

JULIAN
E, agora, meu amor, eu preciso tomar uma atitude.

CORTA PARA:

CENA 26 – INT/TARDE – SALA DE BRINQUEDOS DO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO - CONTINUAÇÃO

HELENA ELIZABETH (olhando para ANA IZABEL)
Eu também.

CORTA PARA:

CENA 25 – INT/TARDE – LOJA “LEAL INFORMÁTICA” - CONTINUAÇÃO

JULIAN
A gente se fala depois.

HELENA ELIZABETH (off)
Eu te amo.

JULIAN
Eu também.

JULIAN desliga o telefone e olha fixamente para CARLOS ALEXANDRE.

JULIAN
Seu Carlos, eu preciso contar uma coisa para o senhor sobre sua filha e eu.

CARLOS ALEXANDRE tem medo de que suas dúvidas do almoço se confirmem.

CORTA PARA:

CENA 26 – INT/TARDE – SALA DE BRINQUEDOS DO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO - CONTINUAÇÃO
HELENA ELIZABETH desliga o telefone e o entrega para ANA IZABEL, a quem olha com seriedade.

HELENA ELIZABETH
Mamãe, podemos conversar a sós no seu gabinete? Eu preciso lhe contar uma coisa sobre os meus enjôos.

ANA IZABEL tem medo de que as suas suspeitas se confirmem.

ANA IZABEL (emocionada)
Minha filha!

CORTA PARA:

CENA 27 – INT/TARDE - LOJA “BM BICICLETAS”
DONA LORETA, BARTÔ, ZÉ e PEDRO estão conversando na loja vazia.

PEDRO (para BARTÔ)
Você não devia ter dado a gata prele naquela hora, seu bocó. Ele que podia ter machucado a bechana lá dentro do escritório do patrão.


Agora ela tá bem lá no Orfanato de Dona Ana. Vamo se alegrar!

BARTÔ
Eu não vou me perdoar se aquele mané fez algo de mal pra peluda!

PEDRO
Ele não ia fazer nada de mal. Ele tem medo do pai que só vendo.

DONA LORETA
Não sei, não... Ele bem que pode ter passado com o carro por cima da gata e ter dito pra Dona Ana Izabel que ela pulou pela janela a fora.

BARTÔ
Mas nem me diz uma coisa dessas, Dona Loreta!


Nós não podia ligar pra lá e perguntar se ela chegou em paz?

CARLOS ALEXANDRE chega seguido por JULIAN.

CARLOS ALEXANDRE (para os FUNCIONÁRIOS)
Por que vocês pensariam que o Alfredo Luiz teria feito uma maldade dessas com a gata?

Ninguém responde.

JULIAN
Tenho certeza de que ele faria, Seu Carlos Alexandre! É também sobre ele e o que ele tem feito com sua filha que eu gostaria de lhe falar.

Os FUNCIONÁRIOS ficam atônitos.

CARLOS ALEXANDRE (para os FUNCIONÁRIOS)
Acabei de falar com Ana. A gata e os filhotinhos chegaram bem no Orfanato. (PARA JULIAN) Vamos ao meu gabinete.

CARLOS ALEXANDRE e JULIAN entram no interior da loja. Os FUNCIONÁRIOS estão aliviados.

BARTÔ
Ainda bem! A peluda está salva!

PEDRO
Viva a bechana!


Viva a Maiada!

TODOS
Viva!

CENA 28 – INT/TARDE - LOJA “BM BICICLETAS” – GABINETE DE CARLOS ALEXANDRE
CARLOS ALEXANDRE e JULIAN entram.

CARLOS ALEXANDRE
Sente-se, meu filho. E conte o que você quer me contar e que eu acho que já sei.

JULIAN
O senhor já sabe? Alfredo lhe contou?

CARLOS ALEXANDRE
O Alfredo Luiz? Ele sabe?

JULIAN
Helena e eu temos certeza de que ele sabe sim. Ele tem ameaçado a irmã de contar para o senhor e para sua esposa. A gente só não contou antes porque, diante de todos os problemas que o senhor e a sua família estão enfrentando, nós ficamos com medo de que algo pior acontecesse. Estávamos esperando as coisas melhorarem para contar. Foi um erro, mas... Não podemos esperar mais pra contar para o senhor que...

CARLOS ALEXANDRE
Helena Elizabeth está grávida?

CORTA PARA:

CENA 29 – INT/TARDE – ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO – GABINETE DE ANA IZABEL
ANA IZABEL e HELENA ELIZABETH conversam.

HELENA ELIZABETH
Sim. De dois meses!

ANA IZABEL (chorando)
Nossa Senhora do Amor Divino! Minha criança... Grávida!

HELENA ELIZABETH (chorando)
Me perdoa, mamãe, por favor!!

HELENA ELIZABETH e ANA IZABEL se abraçam e choram.

CORTA PARA:

CENA 28 – INT/TARDE - LOJA “BM BICICLETAS” – GABINETE DE CARLOS ALEXANDRE – CONTINUAÇÃO

JULIAN
Nos perdoe, Seu Carlos Alexandre!

CARLOS ALEXANDRE
Foi culpa nossa! Foi culpa nossa! Nós não deveríamos ter proibido vocês. Vocês são duas crianças e foram fazer as coisas escondidos, do jeito errado... Ai, meu filho, que golpe! Que golpe no meu coração!

JULIAN
Nós deveríamos ter nos protegido. Mas... Foi tudo tão rápido. Nós estamos nos sentimos muito mal. Muito mal! Eu sei que eu estraguei a vida de sua filha. E sei que nunca vou ter uma boa relação com os pais dela agora, depois disso...

CORTA PARA:

CENA 29 – INT/TARDE – ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO – GABINETE DE ANA IZABEL – CONTINUAÇÃO

ANA IZABEL (chorando abraçada à HELENA ELIZABETH)
E como é que seu pai e eu não vamos perdoar a nossa filha e o pai do filho dela? Como?

HELENA ELIZABETH
O Julian está contando tudo para o papai agora.

ANA IZABEL
Coitado do Carlos!

CORTA PARA:

CENA 28 – INT/TARDE - LOJA “BM BICICLETAS” – GABINETE DE CARLOS ALEXANDRE – CONTINUAÇÃO

CARLOS ALEXANDRE
Meu filho, me deixe sozinho, por favor. Vou precisar de tempo para mastigar isso tudo. Foram tantos os problemas e agora mais esse! Estou com a minha alma ferida! Ferida até o fundo! Vai embora agora, por favor e me deixe só.

JULIAN sai do gabinete, deixando a porta aberta, e, na ante-sala de Dona Loreta, se encontra com ALFREDO LUIZ que vem chegando, após cruzar pelos quatro FUNCIONÁRIOS que ainda comemoravam, felizes, a nova situação da gata.

ALFREDO LUIZ (para JULIAN, irônico)
Você por aqui, papai?

JULIAN pára e olha para CARLOS ALEXANDRE que ouviu o comentário de ALFREDO LUIZ. JULIAN vai embora. CARLOS ALEXANDRE, muito triste, olha para ALFREDO LUIZ segurando uns formulários que estavam sobre sua mesa.

CARLOS ALEXANDRE
Alfredo Luiz, já preenchi as fichas para a demissão de um funcionário. Entregue-as para Dona Loreta pra mim, por favor.

ALFREDO LUIZ olha para os FUNCIONÁRIOS que, assustados, pararam de comemorar.

ALFREDO LUIZ (feliz, alto)
Que bom que o senhor já escolheu, papai. Estou curioso para saber quem vai embora!

ALFREDO LUIZ entra no gabinete mantendo a porta aberta e pega os formulários da mão de CARLOS ALEXANDRE, que se prepara para sair.

ALFREDO LUIZ (lendo os formulários)
Papai, o senhor está me demitindo?

CARLOS ALEXANDRE (saindo)
Sim. E os motivos eu vou deixar pra falar com você hoje à noite, lá em casa. Agora vou ter com sua mãe.

ALFREDO LUIZ joga maleta no chão com raiva e bate a porta do gabinete. CARLOS ALEXANDRE pára diante dos FUNCIONÁRIOS ainda abalados.

CARLOS ALEXANDRE (para os FUNCIONÁRIOS)
Meus amigos, infelizmente, amanhã vocês todos serão demitidos também.

DONA LORETA
Seu Carlos Alexandre!


O que será de mim, meu Deus!

CARLOS ALEXANDRE
Mas amanhã mesmo vocês todos, incluindo eu, seremos contratados pelo senhor Nivaldo daqui do lado. A partir de amanhã, seremos funcionários dele e teremos os salários em dia. Eu consegui um adiantamento para pagar tudo o que devo para vocês. Esse prédio será alugado e reformado e peço a ajuda de vocês, já desde hoje, para fecharmos a loja e começarmos a organizar tudo.

PEDRO
E isso é bom, patrão?

CARLOS ALEXANDRE
Por hoje eu não sou mais patrão de ninguém. E isso é bom, sim. De alguma forma pelo menos. Mas me perdoem por eu não estar em condições de comemorar. Nos vemos amanhã.

CARLOS ALEXANDRE sai. Os quatro FUNCIONÁRIOS olham para a porta do gabinete. Ouvem barulho de objetos serem jogados no chão e gritos.

CORTA PARA:

CENA 30 – INT/MANHÃ – TESOURARIA DO COLÉGIO NOSSA SENHORA DO CARMO – DOIS MESES DEPOIS
Na tesouraria, IR. LÚCIA conversa com ANA IZABEL, que assina um cheque. ANDRÉIA, no balcão, ao lado de ANA IZABEL, confere o valor. Uma outra freira, IR. OTÍLIA, já bem idosa, trabalha num computador e presta atenção na conversa.

IR. LÚCIA
Aqui no colégio estamos todos muito felizes com o casamento de Helena Elizabeth e de Julian. E acontecerá na nossa humilde capela, heim!

ANA IZABEL
Carlos Alexandre e eu nos conhecemos aqui nesse colégio, Ir. Lúcia. (PARA IR. OTÍLIA) A senhora se lembra, Ir. Otília?

IR. OTÍLIA
Lembro sim! Bons tempos aqueles... Foi no ano em que nossa Congregação fez 150 anos!

ANA IZABEL (entregando o cheque para IR. LÚCIA)
Isso mesmo! Essa escola sempre foi muito importante pra nossa família.

IR. LÚCIA
Nós agradecemos muito a confiança, Ana. E queremos dizer que estaremos sempre de portas abertas pra família Bergamin de Magalhães.

ANA IZABEL
Obrigada, Ir. Lúcia e Ir. Otília. Só peço que não se esqueçam de conversar com as funcionárias de vocês, em especial as que trabalham na tesouraria sobre sigilo profissional, conforme conversamos na sala da Ir. Diretora.

ANDRÉIA fica vermelha de vergonha e senta à sua escrivaninha.

IR. OTÍLIA (olhando friamente para ANDRÉIA)
O que aconteceu não se repetirá nunca mais em nossa instituição.

IR. LÚCIA
Pedimos muitas desculpas novamente.

ANA IZABEL
Esqueçamos o ocorrido, então.

IR. LÚCIA
Vejo Helena Elizabeth na aula amanhã.

ANA IZABEL
Se Deus quiser! (PARA ANDRÉIA) Andréia, dê, por mim, lembranças à sua mãe, a quem queremos muito bem! E diga-lhe que apareça lá em casa e que será muito bom vê-la. (PARA AS TRÊS) Até mais.

IR. LÚCIA E IR. OTÍLIA
Até mais!

ANDRÉIA (constrangida)
Até!

ANA IZABEL sai e vemos IR. LÚCIA e IR. OTÍLIA olharem com raiva para ANDRÉIA.

CENA 31 – INT/TARDE – CORREDOR DO COLÉGIO NOSSA SENHORA DO CARMO
HELENA ELIZABETH, grávida de quatro meses, conversa com MARIÂNGELA e RITA. ANA IZABEL chega.

ANA IZABEL
Vamos meninas?

HELENA ELIZABETH
Vamos, mamãe.

RITA
O Alfredo vai junto?

ANA IZABEL
Infelizmente não. Hoje é dia do Alfredo Luiz dar aulas de informática lá no orfanato?

RITA
Ele está dando aula de informática no orfanato?

ANA IZABEL
Sim. À pedido do Seu Nivaldo, novo patrão dele.

RITA não gosta de obter essa informação. As QUATRO saem da escola.

CORTA PARA:

CENA 32 – INT/TARDE – CORREDOR DO ORFANATO NOSSA SENHORA DO AMOR DIVINO
Os MENINOS DO QUARTO FUNDO e os MENINOS DE CAMISETA VERMELHA estão silenciosos no corredor. ERNESTO abre a porta do quarto de brinquedos e espia. Lá dentro, agora todo cor de rosa, as MENINAS estão brincando. ERNESTO conta até três e os MENINOS invadem o quarto munidos de almofadas e bolinhas de meia. As MENINAS reagem, mostrando que só fingiam que brincavam. Gritos. Confusão. FLÁVIA e ALFREDO LUIZ aparecem correndo e são “tragados” pela confusão de bolinhas de meia, almofadas, travesseiros e crianças.

CORTA PARA:

CENA 33 – EXT/MANHÃ – SORVETERIA
CARLOS ALEXANDRE e JULIAN estão sentados a uma mesa. Ambos vestem uniformes da loja “Leal Informática”. Chegam ANA IZABEL, HELENA ELIZABETH, RITA e MARIÂNGELA.

JULIAN
Finalmente!

CARLOS ALEXANDRE (para JULIAN)
Ih, mocinho! Vai se acostumando. As mulheres Bergamin de Magalhães sempre se atrasam!

ANA IZABEL
Nem demoramos tanto tempo assim!

HELENA ELIZABETH
Estou com desejo de tomar sorvete de melancia!

JULIAN
Ai, ai, ai... E essa agora. Será que tem?

TODOS começam a se servir no buffet de sorvete.

HELENA ELIZABETH
Se não tiver, você vai dar um jeito de achar. Eu quero!

RITA
Meu Deus!

ANA IZABEL
Minha filha! Coitado do Julian!

CARLOS ALEXANDRE
Coitado nada! Eu tive que fazer tudo isso pra você quando o Alfredo Luiz e quando a Helena Elizabeth nasceu!

MARIÂNGELA
Eu não tou vendo o sabor melancia!

HELENA ELIZABETH
Tem que ter!

RITA (apontando)
Tem sim.

RITA e MARIÂNGELA pesam seus potes de sorvete.

ANA IZABEL
Pronto. Até eu fiquei com desejo agora!

JULIAN
Ih, Seu Carlos! Será que a Helena não vai ter um maninho?

ANA IZABEL
Olha o respeito comigo, menino! Eu sou quase sua sogra!

ANA IZABEL e CARLOS ALEXANDRE pesam seus potes.

CARLOS ALEXANDRE
Nem me fale! Nem me fale!

HELENA ELIZABETH e JULIAN chegam à balança. Vemos que RENATA é a atendente da sorveteria e quem pesa os sorvetes. Ela olha com raiva para o grupo.

HELENA ELIZABETH
Ih! Esquecemos de pegar um pote!

JULIAN
Todos já se serviram. Não faltou ninguém.

HELENA ELIZABETH
Faltou, sim! (apontando pra própria barriga) O Rodrigo Fernando, ué!

TODOS, já sentados, riem.

FIM.

2 comentários:

Tana Cassia disse...

Olá!
To passando só para dizer que adorei o Alma Ferida ... parei para ler e não consegui parar enquanto não tinha terminado... curioso o nome de um dos meninos do orfanato... ;-)
PARABÉNS!!
Bjão

jogo as palavras pro ar disse...

Pois éh, esta cena não sei como introduzir. Inciar a própria apresentação é sempre estranho. resta a esperança de (me) descobrir neste início de primavera. Ótima peça!